Opinião

Dispensados ou Filiados

Faço parte dos quadros de uma empresa pública da nossa Região desde 2006. Ao longo de quase duas décadas, e desempenhando maioritariamente cargos de confiança, trabalhei com diferentes administrações: umas mais à esquerda, outras mais à direita, outras mais ao centro, outras com um pouco de todas estas ideologias. Lembro-me bem e com desmedida saudade da minha primeira equipa de trabalho, conduzida por uma administração onde dois dos administradores executivos detinham uma formação de base militar, apartidária, ligada à Marinha Portuguesa, um Diretor Comercial do Partido Social Democrata, um Diretor de Recursos Humanos com uma enorme apetência para o estado social, e eu, ideológica e assumidamente de esquerda, mas que por ser filha da Coordenadora do Bloco de Esquerda, não raras vezes fui carimbada por tal hereditariedade. Nos dias que correm, esta seria uma conjugação de recursos humanos que na perspetiva do poder instalado, tinha tudo para dar errado, mas que desde a primeira hora conseguiu que tudo desse certo (pelo menos naquilo que dependia diretamente da ação de toda a equipa). E tal só foi possível devido a três fatores: respeito, confiança e meritocracia. Mas não sou eu o tema desta pequena reflexão, até porque muitos caracteres seriam necessários para convosco partilhar estas duas últimas décadas do meu percurso profissional.

Quiçá, noutras núpcias possa ser um tema para uma prazerosa conversa.

Certo é, que cenário idêntico a este que eu tive o privilégio de viver in loco, é hoje, para muitos açorianos, uma utopia, não fosse a cada dia mais evidente a triste constatação de que o mérito e o esforço de muitos não são devidamente recompensados, sendo cruelmente substituídos por outras dimensões menos dignas, que pouco ou nada impactam no seu desempenho.

Adicionalmente, este tipo de liderança que valoriza o cartão partidário e a ausência de mérito, face a jovens adultos e pessoas experientes com currículo e experiência profissional, muito contribuiu para a degradação dos serviços do estado (como a saúde, a educação, os transportes, as obras publicas, a energia, entre outros) e das nossas empresas públicas, e provas disso, infelizmente não nos faltam.

A cada novo desabafo que me chega, recordo as palavras do atual Presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro, que quando tomou posse, não só disse, como inúmeras vezes reiterou que não haveria “caça às bruxas”, pelo que os açorianos podiam estar descansados, até porque essa coisa do “medo” e da “intimidação” era demagogia da esquerda alarmista.

E perante esta afirmação, repetida até à exaustão por diferentes membros do Governo, outra alternativa não me resta do que aqui assumir que, uma vez mais, a minha característica ingenuidade quase me convenceu que “palavra dada, é palavra honrada”, só que o tempo, sempre o tempo, acaba por colocar a descoberto aquilo que deliberadamente se quer disfarçado.

Exemplo disso mesmo, é o que se tem passado nos últimos tempos na Direção Regional da Educação, Cultura e Desporto, onde cargos de chefia com décadas de experiência, com provas dadas, com equipas constituídas, com uma articulação com a Direção Geral da Educação distinta, com horas infinitas de dedicação, muitas destas por “amor à camisola”, com uma máquina totalmente oleada e preparada para trabalhar mesmo em condições adversas, são afastadas das suas funções sem que desse facto tenham prévio conhecimento, sem uma única palavra de reconhecimento, de agradecimento, ou até mesmo de uma justificação capaz de tranquilizar quem nestas circunstâncias, coloca todo o seu percurso profissional em causa. Houve até quem percebesse que não continuaria a exercer as suas habituais funções, pelo colega que o irá oficialmente substituir, porque oficiosamente já esse colega vem exercendo as suas novas funções sem que o seu antecessor o saiba. E isto já se faz sem qualquer tipo de pudor, à vista de todos os colegas, de todos os docentes, de todos os Conselhos Executivos, de todas as instituições nacionais, fragilizando na praça pública o nome de quem já tanto fez pela Educação na nossa Região, cujo trabalho é amplamente reconhecido pela nossa comunidade educativa.

O verdadeiro problema deste governo não é a falta de meritocracia, mas sim a necessidade de acomodar os seus próprios aliados, para assim garantir o controlo absoluto dos departamentos governamentais, ignorando de forma leviana o impacto que este tipo de liderança (ou a falta dela) tem, não só nos visados, como nos seus colegas, nas escolas, nos docentes, nos alunos, em suma, na educação.

Mais recentemente, o Presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro, reiterou a sua prioridade na Educação enquanto “elevador social chave da mudança que se está a operar nos Açores desde o final de 2020”. A diferença, é que depois de ter conhecimento da forma indigna como se tem (des)tratado alguns funcionários públicos, a minha ingenuidade já não tem dúvidas sobre qual a “mudança que se está a operar nos Açores desde o final de 2020”, e isso deixa-me, na verdade, profundamente preocupada.